Das togas e das becas

           Num outro blogue que visito com regularidade, um leitor colocou o seguinte comentário, pertinente:
«peço desculpa por estar a levantar um assunto "off-topic" mas não posso de o deixar fazer uma vez que falaste na palavra "toga". Na minha humilde opinião, eu acho que o uso da toga pelos juízes, nos tempos de hoje é, no mínimo, ridículo, no caso dos advogados/procuradores nem sequer tenho palavras para descrever tamanha "ridicularizez" Gostava de ouvir a tua opinião acerca disto... »

           Sumariamente, adiantei a seguinte resposta, que pode ser útil a alguns dos leitores deste postal:
«A Patrícia ainda não respondeu ao repto do João mas, se me permitem, tentando poupá-la, faço-o eu, nem que seja provisoriamente:
Aqui neste blogue, p.e., sabemos que há dois símbolos incontornáveis, para além da toga: A maçã e o padrão axadrezado. Ninguém vem ao engano.
De facto, a sociedade hodierna continua a respeitar e a viver com símbolos e mesmo hoje não passa sem eles. Alguns entendem, até, que hoje muito mais do que antes. O João já reparou na importância dos símbolos desportivos num clube? Não são eles, também, ridículos aos olhos de um não aficionado? 

É certo que o Benfica já se adaptou aos novos tempos com um elegante equipamento cor-de-rosa... mas o certo é que o equipamento em si continua a ser vaklorizado, ao ponto de render milhões em réplicas vendidas aos fãs e de inspirar sentimentos idênticos em milhões de adeptos.
Ora, a Justiça, essa coisa indefinida que até uma criança pequena sabe o que é, transcende o ser humano e a sua contingência. 

Sendo um fenómeno humano tem qualquer coisa de sagrado, que toca no íntimo da nossa dignidade - cfr. o mito de Témis e de Diké. 
Os seus ministros (sacerdotes) actuais - juízes, prouradores públicos e advogados - tentam aplicá-la no caso concreto observando um ritual rigoroso previsto em livros que, não sendo sagrados, contêm a lei. Lei essa que deverá ser, num Estado de Direito Democrático, emanada do próprio povo. Estão, por isso, em nome do povo, através de um rito ou cerimonial, a aplicar a Justiça no caso concreto, tentando dirimir conflitos. Ora, num qualquer cerimonial - religioso ou laico - há sempre elementos cénicos e simbólicos que desempenham várias funções importantes. 
No nosso caso - a administração da Justiça - as togas e as becas desempenham funções específicas e simbólicas: A primeira é a de convidar/ajudar os envolvidos e/ou o público a tomar consciência da importância do acto e do processo que resulta em «dizer o justo ou o direito» (juris dicere - de onde vem a palavra jurisdição e a função jurisdicional), procurando assim suscitar respeito e até conter os ânimos dos litigantes, mantendo a discussão dentro das regras do rito. Depois, com o aparato desses símbolos, ajudá-los a acatar voluntariamente o «direito dito», como resultado desse processo conduzido por tais ministros. Com uma enorme vantagem: evitam-se novos conflitos e poupam-se meios de coacção para impor as decisões e a ordem que, de outro modo, seriam mais frequentemente necessários.
Portanto a questão não é apenas de moda mas principalmente de símbolo. Estes símbolos são ridículos? Arranjem-se outros, quiçá umas togas cor-de-rosa.»


Nota: As togas são usadas pelos advogdos e as becas pelos magistrados.

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