Visita do Senhor Procurador-Geral da República

Num momento feliz, a nossa aula de Direito das Obrigações do passado dia 29 de Outubro foi ilustrada com a presença do Senhor Procurador-Geral da República, o qual, em visita ao IESIG, acompanhado pelo Senhor Director do Departamento de Direito, nos deu a honra de dirigir à turma algumas palavras de ânimo, onde confessou o seu amor à Justiça e ao Direito, admitindo que, sem embargo das funções para as qais foi recentemente investido, nutre o maior gosto pela vida académica e pelo Direito Civil, objecto da cadeira em causa.
Agradecendo o gesto, o professor, em seu próprio nome e em nome da turma, desejou ao Senhor Procurador os maiores sucessos na sua nova e exigente tarefa.

Abertura solene do ano judicial

Decorreu no dia 24 de Outubro, no novo Tribunal de São Vicente, a abertura do ano judicial, com a presença do Senhor Presidente da República de Cabo-Verde, do Senhor Primeiro-Ministro, do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dos Senhores Procurador-Geral da República e Bastonário da Ordem dos Advogados e do Senhor Presidente do Tribunal anfitrião. Todos usaram da palavra. Estiveram presentes muitas outras autoriudades, judiciais e civis, militares, religiosas e corpo diplomático.

Sanado que foi um incidente protocolar, estiveram presentes, também, os advogados de São Vicente.

O IESIG fez-se representar pelo Senhor Director do Departamento de Direito e pelo professor de Direito de Processo Civil e de Direito das Obrigações (cujas imagens acabaram por ser ampla e involuntariamente divulgadas pela comunicação social, dada situação onde acabaram por ficar na sala onde decorreu a cerimónia).
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O novo tribunal é digno e parece ser funcional. Está localizado no centro da cidade do Mindelo (e não na periferia, como infelizmente tem acontecido em Portugal, fruto da pressão urbanística).
Simbolicamente encontra-se e muito bem, localizado ao lado de outros edifícios sede de outros poderes estruturantes de uma sociedade: O poder político - Câmara Municipal e Assembleia Municupal - e o religioso - a Igreja matriz.

Breves notas do Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues sobre o estado da reforma do Processo Civil

Conforme mencionámos no postal anterior, o Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues, muito amavelmente, dispensou-nos, o texto da sua intervenção nos trabalhos, intitulado:
«Breves notas sobre o estado da reforma do Processo Civil» (em, Cabo-Verde).
Esse texto pode ser baixado aqui.

Começando por nos relatar as vicissitudes por que têm passado a Reforma e as comissões que a têm estudado, o Senhor Desembargador mencionou que, em relação ao respectivo escopo, todos os todos os titulares da Pasta da Justiça, de 1993/1994 a esta data, mantiveram a concretização da Reforma do Processo Civil, tal qual se antolha no Programa do Governo para o mandato 2006/2011, onde se inscreve como uma das prioridades da agenda legislativa «a alteração das regras processuais civis, tornando-as mais leves, desburocratizadas e de acessibilidade imediata».

Relata-nos ainda que as grandes linhas orientadoras que serviram de «termos de referência» para a revisão e elaboração de um novo diploma do direito processual civil cabo-verdiano, ou da profunda reforma do existente, consubstanciam-se nos seguintes eixos:

A.
Quanto aos princípios estruturantes do processo civil:
1. Reafirmação do direito fundamental de acesso à justiça para a tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, com especial pendor para a concretização
a) da prevalência da decisão de mérito sobre a mera decisão de forma;
b) da obtenção de uma providencia cautelar em prazo razoável;
c) da sanação da falta de pressupostos processuais;
d) da simplificação do regime de admissibilidade de pluralidade de partes;

2. Assunção do direito de defesa e do exercício do contraditório, como esteios da acção, com especial incidência no estabelecimento de regras segundo a qual
a) nenhuma pretensão pode ser apreciada sem que seja facultada a possibilidade de se deduzir oposição à mesma, salvo ponderosas excepções;
b) o efeito cominatório pleno deve ficar restringido ao estritamente necessário;
c) se deve imprimir maior flexibilidade na determinação do momento da apresentação das provas;

3. Enfatização do princípio da cooperação entre o tribunal, as partes e os seus mandatários, de forma a que se possa obter, com brevidade e eficácia uma justa composição do litígio, com as seguintes especificidades:
a) particular clarificação e inteligibilidade das notificações com precisa indicação e documentação sobre o objecto da notificação e dos direitos e deveres do notificando;
b) acordo prévio, sempre que possível, com os mandatários judiciais, quanto à marcação da data e hora das diligências judiciais;
c) oficiosa superação pelo tribunal, sempre que possível, das dificuldades na obtenção de documentos ou outros elementos que condicionem o exercício eficaz da faculdade, ou o cumprimento do ónus ou dever processual.

B.
No que concerne à preocupação da simplificação e celeridade do processo propende-se para novas formas e tramites pala via de:

1. Redução a apenas duas as formas do processo comum declarativo; em que uma será de máxima desformalização e simplificação, maior poder de intervenção do juiz na configuração da causa, privilegiando-se o seu contacto directo com as partes e eventual prolação da sentença na base da equidade.
2. Simplificação da tramitação da forma declarativa ordinária com eventual redução de fases processuais, através:
a) do regime regra de apenas dois articulados, salvo em caso de reconvenção ou para resposta e excepções suscitadas pela defesa;
b) Da reestruturação da fase do saneamento e da condensação;
c) da racionalização dos incidentes de instância, em particular dos procedimentos cautelares e da intervenção de terceiros;
d) reforma das vias de impugnação das decisões judiciais,
e) ca modernização e simplificação da acção executiva, de forma a se alcançar a efectiva realização do direito ou interesse jurídico judicialmente declarados ou validamente titulados, designadamente com a enfatização do dever de cooperação das partes e seus mandatários com o tribunal.
f) sistematização, simplificação e racionalização dos processos especiais ao estritamente necessário em razão da especificidade do pedido.
g) reformulação/simplificação dos processos de inventário e eliminação do inventário orfanológico obrigatório.


O ante projecto em revisão contempla pois as tradicionais grandes divisões do direito adjectivo: o enunciado de princípios orientadores do acesso à justiça, a consagração, delimitação e caracterização dos tramites respeitantes aos dois tradicionais e inevitáveis momentos e vias de se alcançar a paz social em situações de desarmonia de interesses – o procedimento declarativo e o executivo, seguido de formas híbridas e a previsão de modos provisórios e cautelares de sustação das disputas entre titulares de interesses contrapostos.

Estes aspectos, ou tópicos, parecem estar consensualizados, pelo menos no que respeita à sua formulação geral.

Já em relação a outras matérias, entretanto trazidas à discussão, não existe consenso:

O Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues mencionou-nos as seguintes:
- Uniformização/ harmonização dos prazos para a prática dos diferentes actos processuais.
- Tramitação processual com início numa audiência prévia das partes antes da propositura da acção, inicialmente proposta, ou tentativa de conciliação em qualquer fase do processado e sempre que oportuna.
- Impulso judicial à acção logo depois do seu recebimento e primeira intervenção do Juiz para a regularização da instância.
- Diversas soluções no que respeita à fase de condensação.

Finalmente, o Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues deu-nos conta de que:
«A par dos recursos, a parte referente à acção executiva ainda não foi deve merecedora de uma aturada leitura, que confirme o propósito da Reforma de se alcançar a simplificação dos seus trâmites e do acolhimento de uma desejada desjudicialização - e consequente processamento administrativo - da pretensão destinada à efectivação de um direito já tornado certo por lei ou por sentença judicial.»

Nesta altura e salvo o devido respeito, não resitimos comentar que dos vários disparates legislativos que se têm produzido ultimamente em Portugal, o mais grave, a todos os níveis, foi a Reforma Executiva.

Cabo-Verde pode inspirar-se nas boas soluções, mas deve evitar aquelas que funcionam mal.
Também podemos aprender com os erros dos outros.

A nosso ver, a «desejada desjudicialização - e consequente processamento administrativo - da pretensão destinada à efectivação de um direito já tornado certo por lei ou por sentença judicial» é um tremendo erro.

Voltaremos ao tema.
Pedro Branco da Cruz

Conferência sobre Processo Civil em São Vicente

Assinalando a inauguração das novas instalações do Tribunal da Comarca de São Vicente, foi organizada pelo Ministério da Justiça de Cabo Verde, entre outras iniciativas, uma conferência com o tema: «As Modernas Tendências do Processo Civil», em que foi orador o Sr. Dr. Mário Tomé, Venerando Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa.

Na mesma sessão o Senhor Dr. Eduardo Rodrigues, Venerando Desembargador Jubilado apresentou um breve relato sobre a reforma do Processo Civil em curso em Cabo Verde.

O IESIG esteve representado na pessoa do professor de Direito de Processo Civil e por vários dos seus alunos, do terceiro ano.

A conferência foi muito interessante mas, destinada essencialmente a uma audiência maioritária de magistrados e advogados, pressupunha alguns conhecimentos acerca da matéria. Ainda assim, os alunos presentes aproveitaram para se familiarizarem com alguns conceitos.

O Senhor Desembarador Mário Tomé começou por referir os desafios que a contemporaneidade impõe à estrutura e soluções do Processo Civil em vigor, nascida em finais do sec. XIX.

Defendendo que a administração da Justiça tem que deixar a racionalidade axiológica para passar a adoptar uma racionalidade de eficácia, reconheceu que as decisões judiciais, cada vez mais, têm que conseguir conciliar aparentes opostos como a ponderação com a celeridade e a qualidade com a eficácia.
Para tanto, advogou a adopção do modelo cibernético na Justiça.
Este modelo, se percebemos bem (estavamos na zona mais fresca da sala, mas como não há bela sem senão, as condições audio não eram, ali, as melhores), assenta em três vectores:
i. - energia,
ii. - informação e
iii. - programa,
ligando o Senhor Desembargador a energia às (das)partes e ao (do) tribunal;
dividindo o Senhor Desembargador a informação em informação de facto e em informação do processo (não seria Informação de Direito?, ficámos na dúvida e esquecemo-nos de perguntar na curta conversa havida);
e associando o Senhor Desembargador o programa ao processo.

Passando a descrever os princípios do Código de Processo Civil Português de 1961, lei processual em vigor em Cabo Verde, relatou as principais alterações da reforma de 1996, mencionando os princípios que a presidiram, suas aplicações práticas, vantagens e sucessos, desvantagens e insucessos.

O Senhor Desembargador Mário Tomé acabou por menionar mais rapidamente, certamente dado o adiantado da hora, as mais recentes alterações no processo civil português, que passaram pela respectiva desmaterialização tendencial e pela reforma dos recursos.

Seguidamente, o Senhor Desembargador Jubilado Eduardo Rodrigues começou por nos dar conta da dificil gestação da reforma do Código de processo Civil de Cabo Verde. Não tendo podido concluir, o Senhor Desembargador, mui gentilmente, facultou-nos cópia da sua lição, que disponibilizaremos num outro postal.

Primeiras impressões de um novo professor

Cheguei de madrugada a São Vicente, depois de um atraso de 2 horas no vôo dos TACV. Nada que não receasse.
O aeroporto é novo. Funcional. Limpo. Nota negativa apenas para a navete que transporta os passageiros do avião para a gare. Mais valia fazer o caminho a pé. Todos os lugares são sentados e lá nos ajeitamos com a bagagem de mão a atravancar tudo...
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A estrada para o Mindelo está bem alcatroada e já tem candeeiros, a aguardar ligação.
A vista, nocturna, torna-se fascinante quando a baía aparece. Está arranjada. Dá gosto. Já não se vêm destroços de navios afundados aqui e acolá, como antes.

Se o táxi parasse e eu não soubesse já, de anterior visita, que aquele não é o melhor local para banhistas, era capaz de sair do carro e de mergulhar nas águas, naquele momento calmas e previsivelmente cálidas...

Disseram-me que o Mindelo estava diferente.
Mais arranjado. Facto
Mais desenvolvido. Facto.
Com mais construção. Facto.
Mas, também, com mais criminalidade e problemas sociais... É cedo para verificar isso.

Depois de um opíparo pequeno-almoço no Mindelhotel, a fazer esquecer a miserável mistela dada como jantar no avião, eis que vou conhecer o IESIG, com o Senhor Vice-Presidente por cicerone.
Prédio novo, no centro, entre a Praça Nova e a baía com a sua magnífica marginal, com equipamentos surpreendentes para um país pobre. Mediateca e biblioteca em formação (que o digam as minhas costas), um belo auditório, laboratório de informática e computadores por todo o lado, internet wi-fi com acesso gratuito para professores e alunos, projectores em todas as salas...
Condições não faltam!

As aulas de Direito são em regime pós-laboral. O ideal para mim. Só ao Sábado é que terei que madrugar.

A expectativa e relativa ansiedade de saber como serão os alunos desvanece-se aos primeiros contactos...
Mostram-se interessados ab initio. Algo tímidos, por ora. Apesar de boa parte deles serem trabalhadores estudantes, mostram-se capazes de suportar o ritmo e exigência que tenciono infligir-lhes.

Os receios que tinha quanto à sua eventual falta de bases acabam por ser afastados. Como em qualquer turma, há alunos bem preparados e outros que parecem ter que trabalhar muito mais.

Nesta altura de Outubro, ao início das aulas, o sol ainda se põe, num festival de cores por detrás do Monte Cara, que domina a baía do Mindelo.
É esta a vista privilegiada da nossa sala (3º andar, sem elevador - Ca tem problema, só me faz bem).

Mindelo, 20 de Outubro de 2008

Pedro B. Cruz