«Breves notas sobre o estado da reforma do Processo Civil» (em, Cabo-Verde).
Esse texto pode ser baixado aqui.
Começando por nos relatar as vicissitudes por que têm passado a Reforma e as comissões que a têm estudado, o Senhor Desembargador mencionou que, em relação ao respectivo escopo, todos os todos os titulares da Pasta da Justiça, de 1993/1994 a esta data, mantiveram a concretização da Reforma do Processo Civil, tal qual se antolha no Programa do Governo para o mandato 2006/2011, onde se inscreve como uma das prioridades da agenda legislativa «a alteração das regras processuais civis, tornando-as mais leves, desburocratizadas e de acessibilidade imediata».
Relata-nos ainda que as grandes linhas orientadoras que serviram de «termos de referência» para a revisão e elaboração de um novo diploma do direito processual civil cabo-verdiano, ou da profunda reforma do existente, consubstanciam-se nos seguintes eixos:
A.
Quanto aos princípios estruturantes do processo civil:
1. Reafirmação do direito fundamental de acesso à justiça para a tutela efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos, com especial pendor para a concretização
a) da prevalência da decisão de mérito sobre a mera decisão de forma;
b) da obtenção de uma providencia cautelar em prazo razoável;
c) da sanação da falta de pressupostos processuais;
d) da simplificação do regime de admissibilidade de pluralidade de partes;
2. Assunção do direito de defesa e do exercício do contraditório, como esteios da acção, com especial incidência no estabelecimento de regras segundo a qual
a) nenhuma pretensão pode ser apreciada sem que seja facultada a possibilidade de se deduzir oposição à mesma, salvo ponderosas excepções;
b) o efeito cominatório pleno deve ficar restringido ao estritamente necessário;
c) se deve imprimir maior flexibilidade na determinação do momento da apresentação das provas;
3. Enfatização do princípio da cooperação entre o tribunal, as partes e os seus mandatários, de forma a que se possa obter, com brevidade e eficácia uma justa composição do litígio, com as seguintes especificidades:
a) particular clarificação e inteligibilidade das notificações com precisa indicação e documentação sobre o objecto da notificação e dos direitos e deveres do notificando;
b) acordo prévio, sempre que possível, com os mandatários judiciais, quanto à marcação da data e hora das diligências judiciais;
c) oficiosa superação pelo tribunal, sempre que possível, das dificuldades na obtenção de documentos ou outros elementos que condicionem o exercício eficaz da faculdade, ou o cumprimento do ónus ou dever processual.
B.
No que concerne à preocupação da simplificação e celeridade do processo propende-se para novas formas e tramites pala via de:
1. Redução a apenas duas as formas do processo comum declarativo; em que uma será de máxima desformalização e simplificação, maior poder de intervenção do juiz na configuração da causa, privilegiando-se o seu contacto directo com as partes e eventual prolação da sentença na base da equidade.
2. Simplificação da tramitação da forma declarativa ordinária com eventual redução de fases processuais, através:
a) do regime regra de apenas dois articulados, salvo em caso de reconvenção ou para resposta e excepções suscitadas pela defesa;
b) Da reestruturação da fase do saneamento e da condensação;
c) da racionalização dos incidentes de instância, em particular dos procedimentos cautelares e da intervenção de terceiros;
d) reforma das vias de impugnação das decisões judiciais,
e) ca modernização e simplificação da acção executiva, de forma a se alcançar a efectiva realização do direito ou interesse jurídico judicialmente declarados ou validamente titulados, designadamente com a enfatização do dever de cooperação das partes e seus mandatários com o tribunal.
f) sistematização, simplificação e racionalização dos processos especiais ao estritamente necessário em razão da especificidade do pedido.
g) reformulação/simplificação dos processos de inventário e eliminação do inventário orfanológico obrigatório.
O ante projecto em revisão contempla pois as tradicionais grandes divisões do direito adjectivo: o enunciado de princípios orientadores do acesso à justiça, a consagração, delimitação e caracterização dos tramites respeitantes aos dois tradicionais e inevitáveis momentos e vias de se alcançar a paz social em situações de desarmonia de interesses – o procedimento declarativo e o executivo, seguido de formas híbridas e a previsão de modos provisórios e cautelares de sustação das disputas entre titulares de interesses contrapostos.
Estes aspectos, ou tópicos, parecem estar consensualizados, pelo menos no que respeita à sua formulação geral.
Já em relação a outras matérias, entretanto trazidas à discussão, não existe consenso:
O Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues mencionou-nos as seguintes:
- Uniformização/ harmonização dos prazos para a prática dos diferentes actos processuais.
- Tramitação processual com início numa audiência prévia das partes antes da propositura da acção, inicialmente proposta, ou tentativa de conciliação em qualquer fase do processado e sempre que oportuna.
- Impulso judicial à acção logo depois do seu recebimento e primeira intervenção do Juiz para a regularização da instância.
- Diversas soluções no que respeita à fase de condensação.
Finalmente, o Senhor Desembargador Eduardo Rodrigues deu-nos conta de que:
«A par dos recursos, a parte referente à acção executiva ainda não foi deve merecedora de uma aturada leitura, que confirme o propósito da Reforma de se alcançar a simplificação dos seus trâmites e do acolhimento de uma desejada desjudicialização - e consequente processamento administrativo - da pretensão destinada à efectivação de um direito já tornado certo por lei ou por sentença judicial.»
Nesta altura e salvo o devido respeito, não resitimos comentar que dos vários disparates legislativos que se têm produzido ultimamente em Portugal, o mais grave, a todos os níveis, foi a Reforma Executiva.
Cabo-Verde pode inspirar-se nas boas soluções, mas deve evitar aquelas que funcionam mal.Também podemos aprender com os erros dos outros.
A nosso ver, a «desejada desjudicialização - e consequente processamento administrativo - da pretensão destinada à efectivação de um direito já tornado certo por lei ou por sentença judicial» é um tremendo erro.
Voltaremos ao tema.
Pedro Branco da Cruz
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