Contrato-Promessa, princípios da imediação e da livre apreciação da prova, invalidade de contrato, boa fé contratual, enriquecimento sem causa.

Temas analisados em interessante acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de que se reproduzem largos excertos:

«Sumário:
1) O princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 655.º do CPC impede a alteração da matéria de facto fixada em 1.ª instância, quando a decisão tenha sido criticamente fundamentada e a fundamentação não contrarie as regras da experiência nem a lógica do raciocínio.
2) O contrato-promessa rege-se pelas regras do contrato prometido, excepção feita às da forma e às que se mostrem inaplicáveis.
3) O vício decorrente da falta de certificação notarial da existência de licença de utilização ou de construção só gera nulidade do contrato-promessa se for arguido pelo promitente comprador (ou pelo promitente vendedor, no caso excepcional em que a lei o permite).
4) Sempre que seja conhecida a vontade real dos contraentes, é de acordo com ela que o contrato deve ser interpretado; mas sendo o negócio formal, terá de haver correspondência, mínima, ao menos, entre o texto do contrato e a declaração.
5) A boa fé contratual (artigo 762.º, n.º 2, do CC) postula lealdade de cooperação entre as partes.

6) O pedido fundado no enriquecimento sem causa tem de ser formulado expressamente, ainda que em via subsidiária.

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Conforme as conclusões das alegações dos recorrentes, são questões a decidir:
a) A modificabilidade da decisão de facto

b) A invalidade do contrato-promessa.

c) A boa fé no cumprimento do contrato-promessa.

d) O enriquecimento sem causa

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III. O direito


a) A modificabilidade da decisão de facto

São três as hipóteses em que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação: a) se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida; b) se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (artigo 712.º, n.º 1, do CPC, na redacção vigente até 31.12.07, que é a aplicável ao caso vertente).
Gravados, que foram, os depoimentos prestados e tendo os recorrentes indicado a matéria que consideravam incorrectamente julgada e os meios probatórios gravados (transcrevendo, inclusivamente, parte das gravações) que, na sua óptica, impunham decisão diversa, é claro que é possível a este Tribunal apreciar a factualidade dada por provada.
Cumpre advertir, porém, que o princípio da livre apreciação das provas, vigente no nosso ordenamento processual (n.º 1 do artigo 655.º do CPC), limita, de algum modo, a censura por parte do tribunal de recurso. Exposto o percurso lógico/racional que conduziu à convicção do julgador, com lastro bastante nos elementos probatórios constantes dos autos, dificilmente poderá ser alterada a decisão de 1.ª instância.
A modificabilidade é, na verdade, a excepção. Dando ao princípio da prova livre o alcance de “prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, mas em perfeita conformidade … com as regras da experiência e as leis que regulam a actividade mental”[1], não se vê como alterar o julgamento de facto, se a solução encontrada reflectir, com razoabilidade, uma convicção fundada em provas consideradas credíveis à luz dos dados da experiência, da ciência e da razão.

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b) A invalidade do contrato-promessa
Se bem se compreende o teor da alegação dos recorrentes, um tanto prolixa, à semelhança das conclusões que a encerram (ou, talvez melhor, que a copiam), o contrato-promessa não seria válido, seja porque não foi referenciada ou exibida licença de habitabilidade ou utilização, seja porque o respectivo objecto é diferenciado da realidade existente ao tempo da sua celebração.
Na sentença recorrida qualificou-se juridicamente o acordo celebrado entre autor e réus – desenhado, em termos factuais, na alínea B) da matéria assente – como um contrato-promessa de compra e venda. Apesar de o enquadramento jurídico efectuado pelo tribunal “a quo”, mesmo se aceite pelas partes, como é o caso, não vincular o tribunal de recurso, temos por certo que não vale a pena discuti-lo, evidente, que é, que a aludida factualidade encaixa na perfeição no conceito de contrato-promessa, tal como é definido pelos nossos mais eminentes tratadistas, em função da previsão do artigo 410.º, n.º 1, do C. Civil: “convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato” (Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, volume I, 7.ª edição, página 312; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª edição refundida, páginas 282/283; Abel Pereira Delgado, Do Contrato-Promessa, página 14).
O contrato-promessa rege-se, como decorre do referido artigo 410.º, n.º 1, do CC, pelas normas aplicáveis ao contrato prometido; vigora, pois, o chamado princípio da equiparação, que significa que “o contrato-promessa, quanto aos requisitos e efeitos, se encontra, via de regra, submetido às normas respeitantes aos contratos em geral e às que sejam específicas do contrato prometido” (Almeida Costa, Contrato-Promessa, uma síntese do regime actual, 4.ª edição, página 21).
Aplicam-se-lhe, assim, as regras comuns sobre capacidade, vícios da vontade, resolução, excepção de não cumprimento, etc., mas, também, as normas específicas da compra e venda quanto à capacidade dos contraentes, às proibições de aquisição, à interpretação e integração do negócio e à disponibilidade de direitos (Antunes Varela, ob. cit. página 319).
O princípio da equiparação comporta, no entanto, duas excepções, já que não são extensivas ao contrato-promessa as disposições relativas à forma, nem aquelas que, pela sua razão de ser, se mostrem inaplicáveis.
No que tange à forma, há que distinguir entre o contrato-promessa referente à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir e o contrato-promessa relativo a outros fins.
Para esta última hipótese rege o n.º 2 do citado artigo 410.º: se para a celebração do contrato prometido for exigível documento, seja autêntico, seja particular, o contrato-promessa só é válido se constar de documento assinado pelos contraentes.
À primeira hipótese aplica-se o n.º 3 do mesmo preceito: o documento deve conter o reconhecimento presencial da assinatura do promitente ou promitentes e a certificação, pelo notário, da existência da licença respectiva de utilização ou de construção; mas o contraente que promete transmitir ou constituir só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte.
Como se sabe, não colheu unanimidade de pontos de vista a interpretação a dar à última parte do n.º 3 do artigo 410.º, havendo quem entendesse que configurava uma verdadeira nulidade e, como tal, invocável pelos terceiros interessados e susceptível de ser decretada oficiosamente pelo tribunal,[2] e quem sustentasse que se tratava de uma nulidade atípica, não invocável por qualquer interessado nem susceptível de ser declarada oficiosamente pelo tribunal e passível de sanação ou convalidação, na perspectiva de estar em causa a garantia de protecção ao promitente comprador, que é, por norma, a parte mais frágil no negócio (João Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, páginas 59 e seguintes).
O problema está, hoje, ultrapassado por via jurisprudencial; de facto, o assento n.º 15/94 (DR de 12.10.94), primeiro, e o assento 3/95, (DR de 22.04.95), depois, vieram clarificar aquilo que até aí constituía uma dor de cabeça para os intérpretes do direito: a omissão das formalidades prescritas no n.º 3 do artigo 410.º do CC não é invocável por terceiros (primeiro assento), nem susceptível de ser conhecida oficiosamente pelo tribunal (segundo assento).
Não obstante esta doutrina ter sido extraída sobre a primitiva redacção do preceito, parece líquido que se mantém em vigor, na sua função actual de mera uniformizadora de jurisprudência, por não ter havido modificação substancial entre uma e outra redacção do preceito (acórdão do STJ de 12.01.98, CJ do Supremo, Ano VI, tomo III, página 110). [3]
O contrato-promessa em questão não obedece ao preceituado no referido n.º 3 do art. 41º.º, pois que a promessa se refere à compra e venda de edifício, mas faltou a certificação notarial da existência de licença de utilização ou de construção.
A sentença recorrida declarou não poder ser conhecida a invalidade, por não ter sido arguida por quem quer que seja.
Defendem, agora, os recorrentes que o tribunal deveria ter declarado a nulidade, por estarem em causa interesses suscitados em sede de audiência de julgamento. Mas é evidente a sua falta de razão.
A acção foi proposta com base no incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos recorridos, o que, naturalmente, pressupõe a afirmação da sua validade. A possibilidade de o mesmo enfermar de qualquer irregularidade nunca foi aventada nos articulados, nem sequer como mera hipótese académica.
Independentemente de saber se a arguição da nulidade, importando alteração da causa de pedir e do pedido, era, ainda, admissível em audiência de julgamento, [4] a verdade é que, analisando o teor das actas correspondentes às diversas sessões do julgamento, não se descortina o que quer que seja acerca de uma eventual pretensão dos recorrentes em ver declarada a invalidade do contrato-promessa; nem, tão-pouco, uma mera alusão aos tais “interesses” que os recorrentes teriam suscitado em audiência de julgamento. E “quod non est in actis, non est in mundo”.
Nem se vê, de resto, como poderia ter sido trazido à colação o espectro da nulidade, se os recorrentes não alteraram uma vírgula que fosse da pretensão deduzida “ab initio”, cuja procedência passava pela validade do contrato. Validade e invalidade, em simultâneo, é algo que briga com o rigor do direito e com a razoabilidade das coisas.
Em resumo, não foi arguida e, como tal, não pode ser declarada a nulidade ora pretendida pelos recorrentes.

Melhor sorte não logra a invocação da pretensa invalidade do contrato-promessa, derivada da circunstância de o seu objecto ser diverso da realidade.
Os recorrentes não explicitam os contornos de facto e de direito da teoria trazida à liça, limitando-se a dizer que “não se poderá validar um contrato promessa de compra e venda quando o objecto desse contrato seja absolutamente diferenciado da realidade existente”.
Parece óbvio, no entanto, que se reportam ao facto de a casa prometida vender, com a área de 40 m2, não existir de facto, por ter sido construída no seu lugar uma outra com a superfície de mais de 200 m2 (construção já existente à data da celebração do contrato-promessa).
A invalidade é, conforme Mota Pinto, uma espécie do género ineficácia, que provém de uma falta ou irregularidade dos elementos internos (essenciais, formativos) do negócio e se desdobra, por sua vez, em três subespécies: inexistência, nulidade e anulabilidade (Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição actualizada, páginas 591 e seguintes).
Segundo, ainda, o mesmo autor, são elementos essenciais de todo e qualquer negócio jurídico, a capacidade das partes (e a legitimidade, quando a sua falta implique invalidade e não apenas ineficácia), a declaração de vontade sem anomalias e a idoneidade do objecto (ob. cit., páginas 381/382).
O que, aparentemente, ancora a posição dos recorrentes, tendo em conta, naturalmente, a sua alegação, é a inidoneidade do objecto.
Nos termos do artigo 280.º, n.º 1, do CC, é nulo o negócio cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável.
Retornando a Mota Pinto, “será fisicamente impossível o objecto, quando, por exemplo, se vende um prédio urbano que já não existe por ter sido destruído por um incêndio” (ob. cit. páginas 546/547).
À primeira vista, a hipótese em apreço ajustar-se-ia aqui como uma luva; não existindo a casa prometida vender, o contrato-promessa seria, inelutavelmente, nulo.
Só que o problema não é tão simples assim. O objecto visado pelo contrato, o que as partes quiseram, efectivamente, incluir na promessa de compra e venda foi, não a casa com 40 m2 que consta do documento assinado (que, aliás, já não existia, como era do conhecimento de ambos os contraentes), mas a nova moradia erguida no lugar daquela.
A questão é saber se a vontade dos contraentes releva no caso concreto, atenta a natureza formal do negócio.
A resposta não pode deixar de ser afirmativa. Assente que os outorgantes quiseram realmente comprar e vender a nova construção e tendo a declaração correspondência, ainda que sem expressão perfeita, no texto do contrato (em qualquer dos casos, o objecto é um prédio urbano, com anexos e logradouro), não pode deixar de se entender, em face do preceituado nos artigos 236.º, n.º 2, e 238.º, n.º 1, do CC, que o objecto negocial foi a casa existente no terreno, e não a que a redacção do contrato-promessa contempla; tanto mais que desta interpretação nenhum prejuízo resulta para o promitente-comprador (a parte mais fraca, em princípio), na exacta medida em que a nova construção tem um valor muito mais elevado do que a anterior.
O objecto visado pelo contrato-promessa tem, pois, existência física e legal (os recorrentes até registaram provisoriamente a sua aquisição) e não aparenta outros vícios (que não foram, também, indicados), pelo que a alegada invalidade é totalmente de excluir.

c) A boa fé
Nos termos do n.º 1 do artigo 762.º do CC, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado; acrescenta o n.º 2 do mesmo normativo que, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.
Para caracterizar o conceito, escreveu Antunes Varela, que, “do que se trata é de apurar, dentro do contexto da lei ou da convenção donde emerge a obrigação, os critérios gerais objectivos decorrentes de dever de leal cooperação das partes, na realização cabal do interesse do credor com o menor sacrifício possível dos interesses do devedor, para a resolução de qualquer dúvida que fundadamente se levante, quer seja acerca dos deveres de prestação (forma, prazo, lugar, objecto, etc.), quer seja a propósito dos deveres acessórios de conduta de uma ou outra das partes” (ob. cit, volume II, 5.ª edição, página 13).
Segundo os recorrentes, a falta de boa fé dos recorridos decorreria da circunstância de terem demolido parte especificada do objecto prometido vender posteriormente à assinatura do contrato-promessa, sem audição ou informação prévia à contraparte; o objecto teria sofrido, portanto, uma retracção posteriormente à assinatura do contrato.
Basta ler, porém, a matéria de facto assente para concluir que nada ficou provado nesse âmbito; não ficou, nem poderia ficar, porque, muito simplesmente, a petição inicial é completamente omissa a tal respeito.
Recorde-se que os ora recorrentes fundamentaram a acção no facto de os recorridos terem excluído intencionalmente do contrato-promessa a nova moradia edificada em substituição da anteriormente existente, “iludindo assim a boa fé daqueles”, como escreveram no artigo 14.º da PI. A questão não é, pois, de alteração no terreno do objecto prometido vender, mas de omissão no contrato do objecto que devia integrar a promessa de venda.
A nova tese não passa de um remendo, mal conseguido, numa construção pouco feliz, destinada a ruir pela base.
O problema real dos recorrentes, sejamos claros, é que se arrependeram do preço estabelecido no contrato-promessa e pretenderam renegociá-lo (alínea P dos factos assentes). Não o tendo conseguido, na medida, ao menos, em que era seu desejo, recorreram a juízo, na tentativa de resolver o contrato, sob a invocação de terem sido enganados pelos recorridos, que teriam omitido intencionalmente do objecto daquele a moradia recentemente construída. Mas, apurado em audiência, que o objecto querido do contrato-promessa foi esta mesma moradia, como os recorridos haviam sustentado, logo curaram os recorrentes de alterar o rumo da sua argumentação, defendendo, agora, que aqueles subverteram a fisionomia do prédio sem os consultar ou informar.
Ora, o se os factos alguma coisa demonstram é a cooperação leal dos recorridos para a celebração do contrato prometido nos moldes previstos no contrato-promessa: inscreveram no registo a nova moradia construída, que era o alvo da promessa e a razão de ser do estabelecimento do preço (€ 400.000,00), diligenciaram pela obtenção da documentação necessária para a celebração do contrato definitivo e compareceram no Cartório Notarial, na sequência da marcação efectuada pelos recorrentes.
Que mais lhes poderia ser exigido?
Ao invés, os recorrentes, não obstante terem assinado o contrato-promessa perfeitamente cientes do que estava em causa, em razão, aliás, do que requereram registo provisório da aquisição do todo a seu favor e registo provisório da hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, acabaram por não comparecer no acto da escritura que haviam marcado, inviabilizando, assim, a concretização do negócio prometido.
Se alguém não agiu de boa fé, foram eles, que não os recorridos. Como podem vir, agora, alegar que estes tinham a intenção de vender a nova moradia a outrem, se não se deram ao trabalho de se deslocar ao Cartório Notarial na data por eles mesmos aprazada?
Em conclusão, não ficou demonstrado que os recorridos se tenham recusado a cumprir o contrato-promessa ou tenham dificultado, fosse por que forma fosse, o respectivo cumprimento, razão pela qual não pode, nesta parte, também, o recurso obter procedência.

d) O enriquecimento sem causa
Mais uma vez, não concretizam os apelantes os pressupostos da conclusão retirada, quedando-se pela afirmação de que se verificou um enriquecimento sem causa dos recorridos à custa dos recorrentes.
Quererão referir-se, porventura, ao que desembolsaram a título de sinal, que os recorridos, naturalmente, embolsaram. Mas, se assim é, continuam a trilhar caminho errado.
Como se sabe, o enriquecimento sem causa, previsto no art. 473.º, n.º 1, do CC, pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) que haja um enriquecimento de alguém; b) que tal enriquecimento careça de causa justificativa; c) que ele tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (Antunes Varela, ob. cit. volume I, página 467).
Por outro lado, o enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, não havendo lugar à restituição quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento (artigo 474.º do mesmo diploma).
Ora, e em primeiro lugar, a deslocação patrimonial dos recorrentes para os requeridos teve origem num negócio sem vícios inerentes à sua celebração [5] ou posteriores à sua conclusão (que tenham sido declarados, pelo menos); falta de causa justificativa não se verifica, portanto.
Em segundo lugar, porque existe regime específico quanto ao sinal (artigo 442.º do CC) e a restituição fundada no enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária.
Em terceiro lugar, e decisivamente, porque o enriquecimento sem causa não foi erigido em causa de pedir na acção, nem formulado o correspondente pedido de restituição, ainda que subsidiariamente. E a sentença não pode condenar em objecto diverso do que se pedir (artigo 661.º, n.º 1, do CPC).
Logo, não procede o recurso com este fundamento.

IV. Síntese final:
1) O princípio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 655.º do CPC impede a alteração da matéria de facto fixada em 1.ª instância, quando a decisão tenha sido criticamente fundamentada e a fundamentação não contrarie as regras da experiência nem a lógica do raciocínio.
2) O contrato-promessa rege-se pelas regras do contrato prometido, excepção feita às da forma e às que se mostrem inaplicáveis.
3) O vício decorrente da falta de certificação notarial da existência de licença de utilização ou de construção só gera nulidade do contrato-promessa se for arguido pelo promitente comprador (ou pelo promitente vendedor, no caso excepcional em que a lei o permite).
4) Sempre que seja conhecida a vontade real dos contraentes, é de acordo com ela que o contrato deve ser interpretado; mas sendo o negócio formal, terá de haver correspondência, mínima, ao menos, entre o texto do contrato e a declaração.
5) A boa fé contratual (artigo 762.º, n.º 2, do CC) postula lealdade de cooperação entre as partes.
6) O pedido fundado no enriquecimento sem causa tem de ser formulado expressamente, ainda que em via subsidiária.
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[1] Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, volume III, página 245.
[2] Era a posição de Antunes Varela, como se constata da obra supra citada, página 323.
[3] No mesmo sentido, Almeida Costa, última obra citada, página 37.
[4] A alteração da causa de pedir e do pedido estão sujeitos a requisitos apertados, como decorre do disposto nos artigos 272.º e 273.º do CPC.
[5] Que, a existirem, dariam lugar à restituição derivada da nulidade ou da resolução, e não do enriquecimento sem causa.»

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